CHEP: “É necessária uma abordagem coordenada de todo o sector para combater verdadeiramente o furto de paletes”

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A CHEP é uma empresa australiana, pertencente ao grupo Brambles, que desenvolveu o sistema de pooling de paletes. Hoje tem em movimentação mais de 347 milhões de paletes e contentores em todo o mundo, através de uma rede de mais de 750 centros de serviço, tendo criado um dos negócios de logística mais sustentáveis do mundo, através da partilha e reutilização das suas plataformas. A empresa emprega perto de 11 mil pessoas e opera em 60 países, sendo as maiores operações na América do Norte e Europa Ocidental. Em Portugal opera desde 1993. A Security Magazine falou com Ricardo Silva, Loss Prevention Manager da CHEP Portugal, sobre como a empresa gere todo o ciclo do produto e responde às situações de perda e furto de paletes ao longo da cadeia logística. Recorde-se que a palete é um dos elementos essenciais no transporte de mercadorias, desempenhando um papel vital na logística e movimentação de cargas. É utilizada em praticamente todos os sectores industriais e comerciais e permite a movimentação, armazenagem e transporte mais eficiente e a custos mais reduzidos, além de possibilitar um aumento da segurança da carga transportada e redução de danos durante o transporte.

Security Magazine – Quais são as principais estratégias que a CHEP utiliza para prevenir a perda de paletes ao longo do seu ciclo da palete?
Ricardo Silva – Por um lado, temos de começar por sensibilizar o sector para o modelo de negócio da CHEP e para as regras do pooling de paletes. Isto significa divulgar informação sobre o nosso modus operandi e as consequências negativas de uma utilização não autorizada das nossas paletes, tanto para o planeta como para a distribuição de bens. Fazemo-lo através da comunicação directa com os nossos clientes e parceiros e através de uma forte sensibilização junto das autoridades do sector e dos Governos.
Por outro lado, estamos focados em potenciar o expertise dos nossos colaboradores e em reforçar as nossas capacidades.

Nos últimos anos, criámos uma equipa especializada em assegurar a protecção das nossas paletes e encontrar formas de utilizá-las de maneira mais produtiva através da inovação. E é exactamente essa a chave: a experiência na cadeia de abastecimento combinada com a tecnologia.

As soluções tecnológicas são um forte aliado da CHEP na protecção dos activos, mas também na transformação da forma como servimos os nossos clientes. Para tal, implementámos um conjunto de medidas que ajudam a melhorar a visibilidade e controlo das paletes em trânsito. Estas incluem:

  • Inteligência Artificial (IA) para melhorar a eficácia das recolhas e recuperação de paletes
  • Análise preditiva e aprendizagem automática para ajudar a reduzir as perdas dos clientes
  • Diagnóstico inteligente de paletes para ajudar a impedir actividades não autorizadas.
  • Lacunas invulgares no inventário ou discrepâncias nos registos;

Como a CHEP monitoriza e rastreia a localização das suas paletes?

Desenvolvemos uma infra-estrutura de paletes inteligentes em todo o mundo, assim como tecnologias para gerar dados que permitam identificar e reduzir a perda e o desperdício de paletes. Isto inclui dispositivos de localização instalados em algumas das nossas paletes, que dão acesso a informações como a localização e estado das paletes e contentores à medida que se deslocam na cadeia de abastecimento. Existem também identificadores únicos para captar dados individuais ao nível das paletes através de uma infra-estrutura de leitura fixa.

Olhando para os próximos anos, a IoT vai destacar-se como uma tecnologia promissora para a optimização da cadeia de abastecimento, tal como a IA e a machine learning.

Há cerca de dois anos, a CHEP Portugal lançou também o projecto Predict, que consiste na criação de algoritmos, no trabalho com big data e na criação de soluções de machine learning, que vão analisar históricos e definir tendências de recepção de paletes nos pontos de distribuição ou ao que chamamos pontos de recolha. Com estas tendências o sistema dá alertas, segundo as configurações no nosso sistema, de como e quando estes pontos devem ser contactados para a recuperação dos nossos equipamentos vazios.

Quais os principais desafios que enfrentam ao nível da prevenção de perdas de paletes e como lidam com a recuperação de paletes desaparecidas? Existe algum procedimento ou protocolo para isso?
Gerir mais de 340 milhões de paletes em todo o mundo pode ser um grande desafio, mas se trabalharmos com as competências e ferramentas certas é possível. A colaboração entre diferentes parceiros, incluindo concorrentes, é outro desafio, principalmente por ser necessário garantir sinergias entre todos.

A resposta a estes desafios exige uma combinação de tecnologia, sistemas de rastreio robustos, acordos contratuais sólidos e responsabilidades bem definidas para todos os intervenientes na cadeia de abastecimento.

A CHEP mantém uma constante comunicação com os clientes através do portal de clientes myCHEP, para garantir o controlo das paletes que estão a ser utilizadas e onde e quando devem ser recolhidas. Para além disso, o sistema Track & Trace e as ferramentas analíticas inteligentes possibilitam o acesso a informações como a localização e o estado das paletes e contentores.

É amplamente conhecido o mercado paralelo que existe a este nível. Como a CHEP vê o impacto desse mercado na sua operação e que medidas são tomadas para mitigarem esse risco?
As paletes passam por vários pontos de contacto na cadeia de distribuição, tais como armazéns, centros de distribuição ou locais de venda a retalho, o que pode aumentar o risco de extravio ou perda. Algumas empresas podem reter paletes durante mais tempo do que o permitido ou utilizá-las para outros fins que não os pretendidos. Uma percentagem das paletes acaba muitas vezes por ser utilizada por empresas ou indivíduos que não pagaram por elas ou, pior ainda, que as venderam, o que resulta num crime de apropriação indevida.

Nos últimos anos, verificou-se um aumento global da procura de paletes em toda a Europa devido à volatilidade do mercado, ao comércio electrónico e a novas formas de consumo. Esta situação aumentou não só os custos de substituição dos bens destruídos ou perdidos, mas também o incentivo para que os clientes que não pertencem ao pool utilizem indevidamente o equipamento.

Este tipo de actividade afecta tanto as empresas de pooling como as empresas proprietárias de paletes. Com as condições de mercado a manterem-se voláteis, a disponibilidade de paletes nunca foi tão importante para manter as cadeias de distribuição em movimento na Europa. Não respeitar as regras da indústria de paletes pode ter um impacto negativo em toda a cadeia e, potencialmente, afectar também o consumidor final.

A nível ambiental, implica a necessidade de substituir as paletes, com a correspondente extracção e compra de matéria-prima para o fabrico, bem como o desperdício de recursos. E a nível operacional, num contexto em que a procura de paletes aumentou consideravelmente, a falta destas plataformas pode afectar o transporte de mercadorias e o fornecimento de produtos, gerando custos adicionais imprevistos.

Relativamente às medidas para mitigar estes riscos, a tecnologia pode obviamente tornar-se um aliado para aliviar a perda de paletes. Na CHEP, a utilização de paletes inteligentes e dispositivos de localização ajudou-nos na recuperação de milhões de paletes e a identificar fluxos de paletes não autorizados. Mas a tecnologia, por si só, não resolverá o problema.

É necessária uma abordagem coordenada a nível de todo o sector para combater verdadeiramente o furto de paletes. Precisamos de dar mais visibilidade a esta prática criminosa. Os departamentos de segurança dos fabricantes, empresas de logística e transporte, grossistas, cadeias de distribuição, bem como das empresas de reciclagem e estabelecimentos de segunda mão podem agir de forma responsável e colaborar com as diferentes autoridades.

Quais os sinais ou indicadores que têm para perceber que uma palete pode ter sido desviada?
Por enquanto, os clientes da CHEP sempre que expedem uma palete com produto comunicam a saída da palete dos seus armazéns e/ou fábricas para o ponto intermédio ou final. Quando pedem paletes para a produção e a CHEP entrega, também fica registado no nosso sistema.

Este é um sistema muito simples: de um lado temos as entradas, do outro as saídas e se não bate certo temos de investigar até chegar à “origem do problema”.

O desvio pode acontecer em várias fases da cadeia de distribuição, conduzindo frequentemente à perda de activos ou a vendas não autorizadas. Alguns dos indicadores que sugerem que uma palete pode ter sido desviada são:

  • Atrasos nas devoluções de paletes;
  • Relatos de parceiros ou funcionários sobre a presença de paletes com a marca da empresa em locais onde não deveriam estar;
  • Paletes não rastreáveis no sistema;
  • Danos ou desgaste invulgares nas paletes devolvidas.

Para identificar estes desvios utilizamos uma ferramenta que vai sinalizando por onde a palete passa até onde fica estacionada, onde supomos que seja o destino final e que a palete esteja vazia. Nesta fase, podemos enviar um carro da CHEP para recolher estes equipamentos.

Contam com colaborações com autoridades ou outras entidades para combater esse mercado secundário?
A sensibilização jurídica e governamental é um elemento-chave da nossa estratégia de protecção de activos. Esforçamo-nos por sensibilizar as autoridades para as regras do pooling de paletes e por criar um quadro jurídico e institucional que reconheça estas empresas e que lhes proporcione segurança jurídica. Isto pode levar a que mais empresas invistam na reutilização e desenvolvam iniciativas sustentáveis tanto do ponto de vista ambiental, como económico.

O nosso departamento europeu de protecção de bens levou a cabo inúmeras investigações e acções judiciais ao longo dos últimos 20 anos. Apesar de ter ganho vários processos por toda a Europa, acreditamos que ainda há muito a fazer.

Um marco importante foi a recente entrada em vigor da nova Lei da Economia Circular em Espanha, que se alinha com os objectivos estratégicos europeus em matéria de resíduos e promove a implementação de embalagens comerciais e industriais reutilizáveis na actividade económica. De acordo com o regulamento, uma vez utilizadas, as embalagens devem ser devolvidas aos proprietários e prestadores de serviços de embalagens industriais reutilizáveis, sejam eles primários, secundários ou terciários, que serão responsáveis pela preparação para reutilização.

Trata-se, obviamente, de um grande passo no sentido de reduzir a utilização ilícita das nossas paletes, e estamos certos de que estas iniciativas regulamentares acabarão por ser replicadas em toda a Europa. Só através de uma abordagem coordenada de todo o sector será possível combater o roubo de paletes.

A CHEP opera um modelo de partilha e reutilização que garante a ausência de resíduos de embalagens, a menos que um ou vários intervenientes da cadeia de abastecimento desviem ou utilizem indevidamente os equipamentos, com o risco de estes acabarem em aterros. Nesse sentido, mantemos uma comunicação estreita com as autoridades, através das nossas associações sectoriais de embalagens reutilizáveis, para implementar a legislação da UE (PPWR) e a legislação local (UNILEX). O objectivo é registar os volumes, reconhecer a propriedade e sancionar as más práticas.

Que tipo de projectos colaborativos têm com clientes finais no sentido de prevenir a perda de paletes e cargas? Como asseguram que paletes e cargas se mantém seguras durante todo o processo logístico?
Primeiro, e antes de mais, formar e partilhar conteúdos sobre o modelo de negócio, partilha e reutilização da CHEP. Todas as paletes, uma vez vazias, devem ser devolvidas à CHEP. Ninguém conduz um carro sem aprender a conduzir e, no caso das paletes CHEP, deve existir sempre um período de indução para conhecer os diversos pools existentes no mercado, as características e como manusear em segurança os equipamentos.

Em segundo lugar, numa fase mais avançada, quando combinamos paletes e contentores com tecnologia, a CHEP consegue acompanhar a cadeia de abastecimento através de dados quase em tempo real, ajudando os principais fabricantes e retalhistas a identificar “estrangulamentos”, melhorar a segurança e a rastreabilidade dos produtos, fazer previsões e tomar decisões mais inteligentes e sustentáveis.

Nos últimos anos, a CHEP tem trabalhado na adopção de tecnologias como dispositivos de rastreio e localização nas paletes ou algoritmos inteligentes para gerir os grandes volumes de dados recolhidos diariamente. Estes processos permitem melhorar a eficiência operacional e proporcionam maiores poupanças de custos e uma melhor experiência do cliente.

Por exemplo, o projecto Predict permite uma abordagem orientada por dados à recuperação de activos. Utilizando tecnologia de Machine Learning combinada com dados recebidos de fabricantes, transportadoras e clientes retalhistas, é possível desenvolver uma série de algoritmos que criam tarefas semanais para os agentes nos centros de serviço.

A CHEP tem reforçado o recrutamento e a expansão da equipa de Prevenção de Perdas para garantir que a segurança aumenta a todos os níveis. Temos trabalhado com vários assuntos governamentais e órgãos da indústria para aumentar a conscientização e apoiar acções da comunidade.

Como avaliam o sucesso desses projectos?
Qualquer palete que seja recolhida é um sucesso, porque identificámos um novo ponto de recolha, porque recuperámos os nossos activos, porque não temos de comprar novas paletes e porque não vai ser necessário abater árvores para produzir novas paletes.

O acompanhamento sistemático das métricas de protecção de activos é crucial para garantir que as estratégias estão efectivamente a evitar perdas, a minimizar o desvio e a optimizar a eficiência global do parque de paletes.

Alguns indicadores da eficácia destas iniciativas são:

  • Menor taxa de perda de paletes e maiores taxas de recuperação
  • Taxa de devolução atempada e cumprimento dos prazos de devolução
  • Redução dos custos operacionais e de substituição
  • Aumento da disponibilidade do parque de paletes
  • Redução da má utilização ou retenção de clientes
  • Feedback positivo dos clientes e parceiros
  • Acções judiciais bem-sucedidas contra roubos e menos incidentes de roubo ou desvio
  • ROI relacionado com as medidas de protecção

Como a CHEP lida com uma situação de quando uma palete e a mercadoria do cliente são danificadas ou perdidas?
A CHEP, perante uma situação de palete danificada ou perda, gere e lida com as reclamações do cliente de forma positiva, encarando as mesmas sempre como uma oportunidade de melhorar e chegar ao esperado CX – Customer Experience (Experiência do Cliente) de excelência, tal como todas as companhias líderes e com responsabilidade no mercado.

Por exemplo, se um produto perecível não está em condições, é devolvido ao fornecedor; se um produto é danificado durante o transporte por acidente ou por carga mal-acondicionada, regressa ao emissor; se terminou o prazo de validade, depende do fim que o cliente lhe quiser dar; e se um produto é danificado num armazém da distribuição vai para abate, reciclagem, recondicionamento ou venda de produtos com defeito.

Por outro lado, em caso de perda ou roubo, se as paletes tiverem um sistema de tracking é possível identificar o destino final e proceder à recolha neste ponto, mas se não tiver este sistema e for perdido o controlo do destinatário por falta de informação, por más práticas ou por envios para pontos e/ou países que não devolvem à CHEP, estas paletes são consideradas perdidas. Neste processo é quando o impacto ambiental e financeiro aumenta, dai a importância da economia circular, da sensibilização para a mesma e para a devolução de todos os equipamentos CHEP uma vez que estejam vazios.

Qual a sua visão sobre o futuro da prevenção de perdas na indústria de pooling? Que tendências e mudanças antecipa?
O futuro da prevenção de perdas no sector do pooling de paletes vai centrar-se nas tecnologias baseadas em dados, automatização e maior colaboração em toda a cadeia. Empresas como a CHEP terão de aproveitar a digitalização para criar pools de paletes mais inteligentes e eficientes, assegurando simultaneamente que os esforços de rastreio e recuperação de paletes se tornam mais preditivos e menos reactivos.

O objectivo é que através de novas tecnologias, ferramentas e nova legislação seja possível cada palete ter o seu próprio ID e ser susceptível de tracking. Assim passa a ser possível seguir todo o percurso, sem a necessidade da intervenção humana, através de trabalho administrativo, que poderia estar dedicado a tarefas de mais responsabilidade e menos rotineiras.

A longo prazo, o sucesso dependerá da capacidade da indústria para criar cadeias de abastecimento resilientes e transparentes, onde cada palete é monitorizada, mantida e optimizada para reutilização. Uma maior colaboração com os clientes, Governos e autoridades ajudará a travar actividades não autorizadas e a proteger bens valiosos num futuro em que a logística está mais interligada do que nunca.

Imagine, um dia, uma pessoa entrar numa aplicação e saber exactamente qual o produto que a palete tem por cima, a temperatura ou se entrou no espaço de loja na data expectável para a execução da acção promocional. Ou a CHEP saber que a palete já não suporta o peso inicial e que está vazia, pronta a ser recolhida. Ou que novas legislações sejam criadas e entrem em vigor para assegurar a protecção do título legal das paletes, sendo possível responsabilizar as entidades e pessoas que utilizam indevidamente ou que tenham más práticas com os nossos equipamentos.