Quando nos debruçamos sobre a temática da sinistralidade laboral, nomeadamente as causas, os agentes envolvidos, as consequências, as recuperações e as reabilitações, posicionamo-nos na fase de avaliação dos acidentes de trabalho.
Este último caracteriza-se por ser multifatorial e multicausal. O que significa isto? Há uma série de fatores causais (espaciais/geográficos, laborais/itinerários, tempos de trabalho, ambientes externo, materiais, equipamentos, indivíduos, etc.) e fatores influenciadores como a falta de formação/informação em segurança, higiene e saúde, a pressão, o stress, a negligência e a desatenção, a ausência de supervisão e/ou fiscalização superior/técnica, a subestimação do perigo e do risco associado, entre outras causas contingencialmente analisadas pelos técnicos de segurança, higiene e saúde no trabalho e que manifestamente estão a montante do incidente/acidente.
A média geralmente referenciada ao denominado “erro humano” situa-se (consultando vários autores que analisam com maior profundidade estas temáticas dos acidentes de trabalho), num intervalo entre os 88% e os de 90%.
Algumas estratégias estão plasmadas na missão da segurança, higiene e saúde no trabalho por forma a reforçar a cultura de segurança (formação, sensibilização, avaliação dos riscos, alteração de equipamentos perigosos, ergonomia, informação assertiva, entre outras estratégias) não esquecendo a obrigatoriedade de proteger simultaneamente os trabalhadores, introduzindo os equipamentos de proteção individual necessários à atividade e aos riscos existentes.
Apesar das referidas estratégias, ainda persiste um número significativo de trabalhadores que secundarizam, subestimam e até negligenciam as normas de segurança em vigor, podendo presumivelmente (e aqui a questão cultural tem no nosso entender uma influência forte na ausência da consciencialização dos riscos profissionais e na não adoção de um comportamento seguro no trabalho) contribuir infelizmente para algo sério acontecer e mudar a vida em segundos, por vezes, de forma irreversível.
O comportamento seguro define-se pela capacidade que o trabalhador demonstra na análise preliminar dos riscos profissionais jogando com antecipação preventiva por forma a diminuir a probabilidade de algo indesejável (evento, incidente, acidente) que possa condicionar a sua integridade física e psicológica.
Por outras palavras, evitar erros rudimentares (não utilizar luvas ao operar uma máquina ou equipamento, esquecer-se de desligar o equipamento para realizar a manutenção, locomover-se sob cargas suspensas, operar determinado equipamento sem ter a formação ou permissão para tal, retirar dispositivos de segurança das máquinas para melhor operar, usar roupa larga perto de máquinas rotativas, fumar na proximidade de material altamente combustível, improvisar ferramentas não adequadas à atividade em causa, agir com rapidez sem acautelar as condições de segurança, etc.) tendo em conta a formação adquirida, a experiência e a criação de comportamentos mais seguros face a episódios ocorridos no passado cujas ações preditivas poderão influenciar os modelos comportamentais futuros.
Independentemente do tipo de comportamento emanado pelo trabalhador (seguro e menos seguro) que pertence à esfera comportamental do indivíduo (formatado pelas condições hereditárias, contextuais e culturais), cabe ao empregador, exercer o dever de sensibilização ativa através da cadeia hierárquica (se assim se justificar numa organização de maior densidade populacional) para a prática de comportamentos seguros e saudáveis, promovendo o dever de vigilância e observação por si ou interposta pessoa, formando nas áreas cujo nível de risco é assumidamente elevado, organizando o trabalho por forma a evitar entropias e inconformidades e last but not the least, distribuir equipamentos de proteção individual adequados aos perigos com o objetivo de minimizar o impacto quando a ocorrência indesejável acontece.
Atenção que temos estado a retratar o erro humano potencialmente cometido pelo trabalhador, mas devemos também não esquecer o erro humano promovido pelo empregador por omissão das regras básicas de segurança, higiene e saúde no local de trabalho.
Como temos vindo a evidenciar, os comportamentos inseguros são também em inúmeros casos, potenciados pelas entidades empregadoras que pressionam cada vez mais os trabalhadores a operarem com mais rapidez, esquecendo-se da melhor eficiência e da melhor qualidade, fatores estes, que, uma vez alienados, contribuem para a aceleração de atos inseguros.
Estamos a falar de situações de stress face à necessidade em cumprir prazos apertados e em que se descuram alguns procedimentos entre os quais a segurança à cabeça, a negligência, a desconcentração, a desatenção, a inadaptação por falta de formação, o cansaço acumulado por horas e horas sem pausas regulares, a fadiga física mas também mental e emocional levando por vezes ao desconforto relacional para com colegas e chefias, além de outros fatores externos, ambientais ou até de personalidade que, todos reunidos, poderão efetivamente contribuir para o erro, para o lapso, para a atitude de risco e consequentemente para o gesto incorreto.
E se simultaneamente coexistirem situações de insegurança laboral como a falta de iluminação, existência de ruído ambiental que provoca desconcentração, empoeiramento que condiciona a respiração , máquinas sem proteção adequada com partes móveis em contato direto com os operacionais, desconforto térmico que provoca frio ou calor, ferramentas e cabos espalhados e desorganizados que contribuem para quedas entre muitos outros fatores, temos a simbiose perfeita para a probabilidade do surgimento de um acidente laboral.
Diremos que tudo começa na liderança pelo exemplo. Se os dirigentes, os órgãos de topo, as chefias intermédias e os técnicos de segurança, higiene e saúde no trabalho promoverem comportamentos com evidências visíveis para os trabalhadores de prevenção, de precaução e de diligência, em que a comunicação, a sensibilização e a formação são promovidas estrategicamente, os referidos trabalhadores tenderão a compartilhar esses comportamentos e inconscientemente a promovê-los dia-a-dia no local de trabalho.
Se simultaneamente os atores atrás referidos implementarem estratégias de consciencialização coletiva em prole da criação e do reforço de uma cultura de segurança, então os benefícios são amplamente generalizados para todos (operacionais, chefias e dirigentes), incluindo os seus familiares e, tendencialmente os trabalhadores começarão a acreditar que trabalhar em segurança (apesar que riscos que existirão porventura sempre) é um fator relevante da sua condição humana.
Os valores inerentes à prevenção e à cultura de segurança nunca devem ser impostos, seja por quem for, eles devem ser discutidos, criados e implementados com a maior participação e envolvimento de todos, para melhor serem percecionados, filtrados e assimilados por todos os agentes da organização. António Costa Tavares
A. Costa Tavares
Técnico Superior de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho
Docente, formador e consultor em matéria de SST e Gestão de Recursos Humanos e Psicologia do Trabalho
Quadro da Câmara Municipal de Cascais
Membro da Comissão de Trabalhadores da CMC