Por A.Costa Tavares
A problemática dos acidentes de trabalho nas organizações consubstancia-se num assunto complexo, arbitrário e de múltiplas variáveis que vão desde a componente humana, à valência técnica passando pela questão dos processos de trabalho como a gestão de recursos humanos, a liderança, a supervisão, a comunicação, formação e informação entre outras.
Quando ocorre um acidente de trabalho (AT), é necessário identificar as causas e implementar ações corretivas e também preventivas para evitar que volte a acontecer. A análise dos acidentes de trabalho é formalizada de acordo com uma metodologia previamente definida e compreende as etapas principais que abaixo exemplificamos na figura 1.
A análise dos acidentes de trabalho é uma etapa crucial no processo de prevenção, embora ocorra a posteriori. Analisar um acidente de trabalho significa identificar as causas da sua ocorrência e agir em conformidade para evitar a sua reincidência, implementando as ações corretivas adequadas. Também melhora o funcionamento da empresa graças a uma melhor compreensão das disfunções e do trabalho real.
Consequências de um acidente de trabalho, seja na Câmara Municipal de Cascais seja noutra organização diferente tem como consequências, impactos humanos, sociais, financeiros e jurídico-administrativos a saber:
Consequências humanas (sofrimento e dor do trabalhador, consequências psicológicas (trauma), diminuição das habilidades sensoriais ou motoras, surgimento de incapacidades (temporárias ou permanentes) e em última instância a morte do trabalhador com todas as implicações para a estrutura familiar, social e profissional);
Consequências sociais (para o trabalhador isolamento social em caso de paralisação prolongada do trabalho, necessidade de integração em um novo grupo de trabalho após uma nova atribuição ao retornar ao trabalho e até mesmo a necessidade de uma reorientação profissional após incapacidade para o trabalho, para o empregador a degradação da imagem da Câmara Municipal, a deterioração do clima social da mesma e dificuldades no recrutamento e na rotatividade dos trabalhadores);
Consequências financeiras (para o trabalhador a perda de remuneração ou de ganho, perda de rendimento para a sua família, aumento de custos domésticos como a perda de capacidade sensorial ou motora, custos com a readaptação da casa, ajuda de uma terceira pessoa, custos de tratamento médico, fisioterapia, entre outros, para o empregador o aumento da contribuição para a seguradora, custos de reparação, substituição de equipamento danificado, incumprimento de prazos, coimas a nível da ACT e reorganização da atividade laboral, entre outros custos);
Consequências legais (pouco abordado nestas questões da sinistralidade, temos sempre que contar presumivelmente com a possibilidade de responsabilidade civil e eventual condenação em caso de culpa inescusável, assim como presumivelmente a possibilidade de responsabilidade criminal em caso de acidente grave e/ou mortal).
Dito isto, é de crucial relevância a análise dos acidentes de trabalho assente numa abordagem qualitativa em cinco etapas principais, as quais são analisadas de forma pluridisciplinar e vão terminar com a ação de formação em matéria de segurança, saúde e ergonomia visando dotar os trabalhadores sinistrados de mais competências no sentido de futuramente evitarem cometer os mesmos erros, as mesmas falhas, as mesmas imprudências ou negligências que levaram ao surgimento do acidente. Estas variáveis aplicam-se, claro, nas situações em que houve culpa por parte do trabalhador, para as que resultaram de falhas do empregador o assunto é tratado a nível mais técnico e jurídico alertando os responsáveis para a necessidade de melhorar o equipamento, de adquirir materiais mais seguros, de adotar determinados procedimentos e instruções de trabalho bem como reforçar a supervisão dos trabalhadores.
Para quê uma investigação de acidentes ocorridos (trabalho e in itinere?)
• Identificar as inconformidades que os nossos trabalhadores estão expostos a determinados perigos e riscos que podem afetar sua segurança e saúde;
• Tentar em conjunto com o trabalhador conhecer o que efetivamente esteve na base do acontecimento perigoso (o chamado nexo causal) que conduziu a um incidente ou acidente e como se poderia ter evitado se fizesse determinada ação ou determinado comportamento (exemplo de queda de nível diferente cujas pluricausalidade poderá ser “porque os degraus estavam escorregadios”, “porque a iluminação era débil ou nenhuma”, “porque não existia corrimão”, “porque o trabalhador estava com as duas mãos ocupadas”, “porque o calçado não era o mais apropriado”, “porque o trabalhador estava com pressa”, “porque vinha a falar com outro colega e distraiu-se”, “porque não havia sinalização de perigo para algo que ali acontecia”, “porque vinha sob o efeito de uma substância que alterou a sua mobilidade”, “porque os espelhos dos degraus não tinham a dimensão normalizada”, etc…);
• Reconhecer em conjunto com o trabalhador as deficiências no controle de riscos no sistema de prevenção de forma a possibilitar alterações e melhorias da gestão de SST;
• Possibilitar a troca de informações sobre os riscos entre o técnico de segurança e saúde e o trabalhador conhecedor da realidade diária.
• Precaver outras situações adversas, similares ou não, que possam ter os mesmos fatores desencadeadores e como prevenir/proteger;
• Avaliar os custos porque os incidentes assim como os acidentes de trabalho estão na génese de custos diretos e indiretos, estes em regra superiores aos diretos contribuindo para uma entropia organizacional que pode destruir o negócio e manchar a imagem da organização.
Figura 1
Cronograma de Investigação de Acidentes de Trabalho
(exemplo prático na CM de Cascais)
A análise de IAT deve abranger todos os dados disponíveis do contexto onde ocorreu o acidente, os testemunhos dos sinistrados e dos seus colegas que assistiram ao mesmo, além de informações documentais, tais como avaliações de risco, procedimentos e instruções de trabalho entre outra documentação.
Deve igualmente examinar o histórico de sinistralidade no sistema de gestão da SST assim como tentar obter na medida do possível, informações sobre outros acidentes ocorridos com os mesmos equipamentos, máquinas, ferramentas e processos, etc., existentes na organização como noutras congéneres cujo contexto foi similar à tipologia de acidente que está a ser alvo de análise.
Atenção que as análises de investigação de acidentes devem ser canalizadas para a prevenção de incidentes e acidentes e não para procurar culpados como reactivamente muitos empregadores em cumplicidade com os técnicos de SST de parca formação técnica o querem fazer
Dever-se-á na nossa opinião promover ações de avaliação dos acidentes ocorridos tentado superar progressivamente a tendência ainda muito presente da visão reducionista da segurança comportamental (ver figura 2), acabando com o paradigma tradicional de culpabilização dos trabalhadores sinistrados, alegando “erro humano”, “incompetência”, “imperícia” como se estes fossem seres humanos perfeitos que não errassem, que não cometessem enganos. Efetivamente não foram formados ou informados, e aqui os técnicos de SST têm um papel crucial (neste caso negativo). Muitos têm culpa por o trabalhador ter errado, ter se enganado ou ter provocado o acidente.
Figura 2
Visão redutora versus visão pró-ativa
Com a apresentação deste artigo constatamos que uma rigorosa investigação de acidentes de trabalho, traz indubitavelmente uma mais-valia para a organização. Mas também, aqui a componente mais importante – os trabalhadores e as suas famílias. Sem este enquadramento sócio humano jamais conseguiremos corresponder no dia-a-dia ao cliente interno e ao cliente externo com uma prestação de trabalho com qualidade, com rigor e com eficiência e eficácia.
Podemos dizer que esta ferramenta é de todos para todos com impacto direto e indireto nas nossas vidas.
O importante na investigação de acidentes de trabalho não é identificar os erros do trabalhador (que porventura os comete como qualquer um de nós), mas conhecer as razões que tornaram os erros possíveis
Técnico Superior de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho
Docente, formador e consultor em matéria de SST e Gestão de Recursos Humanos e Psicologia do Trabalho
Quadro da Câmara Municipal de Cascais
Membro da Comissão de Trabalhadores da CM
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