A missão da medicina do trabalho em articulação estreita com a enfermagem ocupacional e com os técnicos de segurança no trabalho, são vetores indissociáveis da melhoria desejável da qualidade de vida dos colaboradores, sendo premissa essencial para a integração, motivação e envolvimento dos mesmos na organização.
Consideramos a qualidade de vida no local trabalho muito mais relevante que a ânsia de muitos responsáveis pelo 0 acidente ou doença profissional.
Para efeito, os profissionais de medicina e enfermagem conjuntamente com os técnicos de segurança devem evitar no dia-a-dia as causas disfuncionais que condicionam as patologias físicas como por exemplo o diagnóstico de lesões músculo-esqueléticas, sintomatologias lombares ou cervicais, tendinites escápulo-umerais, bursites, protusões discais e hérnias de disco além de patologias da atopia da pele ou do foro bronco-respiratório entre outras.
Além das possíveis doenças atrás referidas, oriundas das más condições ergonómicas, térmicas, sonoras, vibratórias ou de origem química e biológica, temos atualmente grandes preocupações, e fruto até do período já longo pandémico que atravessamos, as doenças silenciosas como os riscos psicossociais, o stress profissional, o assédio moral, o mobbing, o burnout profissional cujas repercussões são desastrosas para colaboradores e suas famílias, chefias e dirigentes, para a entidade empregadora e também com custos diretos relevantes para os sistemas da segurança social e caixa geral de aposentações.
Um local de trabalho “doente” acarreta consequências entrópicas para todos os atores envolvidos, materializando-se numa descompensação progressivamente maior por parte dos colaboradores, coexistindo a desmotivação, o desinteresse pelo desempenho da sua função, a falta de brio profissional e uma clarividente desvinculação para com a missão da organização e seus gestores.
Os fatores de riscos tradicionais há muito deram lugar a uma tipologia complexa de perigos e riscos mais invisíveis, que aceleram o processo homem-máquina criando uma relação de proximidade com os instrumentos de trabalho num continuum de horas cuja sobrecarga mental mas também ortostática e rígida contribuem para patologias do foro osteoarticular e psicossocial. Como na revolução industrial, outrora refém da máquina de grande porte, estamos hoje indubitavelmente reféns de “maquinetas” virtuais que nos consomem grande parte do tempo de trabalho e pós-laboral.
A juntar ao atrás exposto, vivemos ainda num clima onde impera a reatividade em detrimento da prevenção. Por outras palavras, muitos dos nossos gestores estão ainda preocupados em custos da segurança e saúde do que com investimento na área. Como corolário desta dicotomia, observamos inúmeras vezes a ação do empregador em culpabilizar o colaborador por este estar incapacitado, por este estar de baixa médica, por este andar desmotivado, não se apurando concretamente o porquê, dessas causas, quando grande parte delas estão diretamente relacionadas com a falta de observância de regras basilares de segurança e saúde ocupacional:
- Colaboradores que trabalham com a mesma cadeira há 20 anos;
- Colaboradores que desempenham funções durante horas e horas em pé sem pausas ou alternância funcional;
- Colaboradores que estão em ambientes desconfortantes termicamente;
- Colaboradores alvo de jornadas intensas de trabalho sem pausas/descanso;
- Colaboradores que operam máquinas e equipamentos mecânicos sem a mínima formação inicial ou complementar;
- Colaboradores que há anos não são observados em exames de medicina e enfermagem ocupacional;
- Colaboradores que trabalham em ambientes ruidosos, vibratórios, empoeirados sem os equipamentos de proteção adequados;
- Colaboradores que não são alvo de ações de formação e sensibilização sobre os perigos e riscos para a sua função;
São um sem fim de exemplos que quisermos efetivamente refletir sobre esta ausência de políticas macros, de estratégias internas e de ações setoriais em matéria de segurança e saúde no trabalho.
Face a estas inconformidades e consequentes patologias, muitos são os colaboradores de pequenas e médias empresas (a maioria em Portugal) que requerem apoio dos seus médicos de família (quando os têm!). Outro problema se levanta: O médico de saúde familiar está mais vocacionado para questões de saúde público-familiar e menos recetivo a questões organizacionais. O paliativo é comum: medicamentação ou baixa médica. A causa do problema não é mitigada, é apenas retardada. Torna-se pois, no nosso entender, muscular progressivamente a ação de profissionais de saúde ocupacional (médicos e enfermeiros) pois só estes têm a sensibilidade, a formação, a competência e o querer para poderem inferir nos domínios do mundo do trabalho, suas causas, consequências e resoluções.
Não vamos aqui abordar as questões legais sobre a exigência legal destes profissionais de saúde ocupacional, há muito já consagradas desde o célebre Decreto-lei 441/91 de 11 de Novembro (Estabelece o regime jurídico do enquadramento da segurança, higiene e saúde no trabalho) revogado 18 anos depois pela Lei 102/2009 de 10 de Setembro, alterado já pela Lei 3/2014 de 28 de Janeiro. Estes quadros regulamentadores da promoção da segurança e saúde no trabalho consubstanciam uma série de exigências legais a cumprir por parte dos empregadores no que concerne à criação ou à aquisição externa certificada, de serviços de segurança e saúde no trabalho.
O importante no nosso entender é que os empregadores despertem de uma vez por todas para a importância da dimensão qualitativa e quantitativa da segurança e saúde como veículo mobilizador de pessoas, de desempenho e de produtividade. Estes três elos estão intimamente interligados.
O empregador está onerado por lei a criar ou a aceder a serviços de segurança e saúde ocupacional. Em articulação permanente, o empregador, o técnico de segurança, o médico do trabalho e o enfermeiro ocupacional devem avaliar os riscos profissionais em conjunto e elaborar planos integrados de prevenção e proteção de riscos profissionais tendo em conta todas funções e tarefas existentes na organização.
Na etapa seguinte cabe a esta equipa interdisciplinar estabelecer medidas coletivas, medidas de proteção individual assim como promoverem ações de sensibilização e formação direcionadas para as atividades de maior risco mas também no âmbito da saúde pública e prevenção geral, para todos os colaboradores da organização contando esta formação para o crédito de horas formativas consubstanciadas no Código do Trabalho.
Finalmente há que periodicamente rever, eliminar e melhorar a eficácia das medidas propostas, introduzindo alterações tendo em conta a evolução técnica, científica, normativa e legislativa, procurando sempre adaptar o trabalho ao homem e não no sentido contrário como infelizmente ainda é bitola do nosso tecido empresarial português.
De referir igualmente o papel das organizações representativas dos trabalhadores que devem ter uma ação proactiva (e menos reativa como outrora) sendo um aliado do empregador e ajudando a propor melhorias, a informar o que está menos bem e sugerir correções, reportar situações de descompensação psicossocial aos serviços de medicina ocupacional e sempre que assim entenderem, acompanharem os profissionais da área nas visitas aos locais de trabalho.
Evidencia-se assim a efetividade do papel tridimensional da segurança e saúde no trabalho ao serviço de todos e para todos, com ganhos bilaterais nesta área da melhoria da qualidade de vida no local de trabalho.
O importante é mesmo a capacidade de podermos cativar os colaboradores e retransformá-los em pessoas mais sãs, mais motivadas e mais envolvidas nos desígnios da organização e simultaneamente na defesa dos seus interesses pessoais.
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.” Antoine de Saint-Exupéry
Por António Costa Tavares, técnico superior de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, Docente, Formador e Consultor em matéria de SST e Gestão de Recursos Humanos e Psicologia do Trabalho, Quadro da Câmara Municipal de Cascais e Membro da Comissão de Trabalhadores da CMC.
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