Numa era cada vez mais digital surge o conceito da Indústria 4.0, considerada como a 4.ª revolução industrial. O termo foi usado pela primeira vez na Hannover Messe em 2011 pelo governo alemão que desejava promover mudanças em relação à maneira como as fabricas operavam. Essa iniciativa teve um apoio de diversos centros de investigação e empresas de tecnologia. Além disso, este termo e conceito baseia-se na descentralização de processos, a partir do uso da automação, big data, internet das coisas, wi-fi e outras tecnologias. Em Outubro de 2012, o Grupo de Trabalho na Indústria 4.0, presidido por Siegfried Dais (Robert Bosch GmbH) e Henning Kagermann (German Academy of Science and Engineering) apresentaram um conjunto de recomendações para implementação da Indústria 4.0 ao Governo Federal Alemão. Pode ler mais sobre o que é a Indústria 4.0 aqui.
Quis a tentar perceber quais os desafios e oportunidades para a segurança do trabalho e saúde ocupacional que surgem daqui. Há ainda pouca informação disponível, uma vez que estamos no início desta revolução. Na pesquisa encontrei um artigo científico de Leso et al. (2018) bastante elucidativo sobre o que procurava e é isso que pretendo resumir neste texto.
A indústria 4.0 poderá tornar o trabalho mais seguro através de uma análise de risco continua por aplicação de tecnologia aplicável na roupa ou equipamento, potenciando a monitorização dos trabalhadores em ambientes de trabalho perigosos, onde possam estar expostos a condições extremas (e.g. calor, gases, chamas). Esta monitorização contínua pode também ser aplicável a indicadores de saúde/bem-estar do trabalhador (frequência cardíaca, tensão arterial, temperatura, sudação). Com isto há alertas em tempo real que permitem parar o trabalho e adequar as medidas de prevenção, restaurar procedimentos de segurança e evitar lesões. Contudo os trabalhadores podem sentir a sua privacidade invadida devido ao uso de monitores e sensores, sentido também uma maior pressão psicológica por considerarem que poderá haver um controlo sobre a sua produtividade, pausas e tempos de trabalho.
Ao mesmo tempo, o uso de ferramentas digitais para monitorizar o comportamento, o desempenho e a produtividade dos funcionários poderá criar uma atmosfera de incerteza ocupacional, invasão de privacidade e problemas psicológicos. Além disso, poderia reduzir o contato entre colaboradores-chefias e colaboradores-colaboradores, agravando a atmosfera do local de trabalho aumentando o stress, além de produzir um impacto negativo a longo prazo na saúde. Uma maior mobilidade, flexibilidade e acessibilidade das máquinas/equipamentos também pode possibilitar trabalhar em qualquer lugar a qualquer momento, potenciando o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal.
A disponibilidade de robots, ou “cobots” (robots colaborativos) para executar tarefas como pintura, soldadura e montagem, onde pode ser aplicada mais força, persistência e precisão promove o aumento da qualidade do produto final/serviço bem como a produtividade do processo, diminuindo as lesões músculo esqueléticas nos trabalhadores e lesões traumáticas.
Acidentes de trabalho devido aos “cobots” podem surgir por falta de orientação sobre como os operar. No limite, estes equipamentos são máquinas de trabalho e deverão ser avaliadas à luz do Decreto-Lei n.º 50/2005. Estes equipamentos autónomos podem gerar riscos elétricos, térmicos, ruído, vibração ou radiações. É necessário também considerar os erros humanos na programação dos “cobots” que podem levar a acidentes de trabalho.
Num mundo tão digitalizado, a carga psicológica pode ser maior do que a física. Na indústria 4.0 espera-se que os trabalhadores ajam mais por iniciativa própria, tenham uma maior capacidade de organizar o seu trabalho e, com isto, mais responsabilidades. Trabalhadores com mais literados serão necessários devido à necessidade de lidar com o mundo digital, que é normalmente mais instintivo às gerações mais novas, levando assim a uma alteração demográfica nas indústrias, o que se pode tornar inaceitável numa perspetiva ocupacionalmente inclusiva e tão proclamada pela Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA) através da campanha “Healthy workplaces for all ages”. Esta situação, somada à troca de postos de trabalho de homem para máquinas, poderá levar ao desemprego nas camadas mais velhas da força de trabalho, ansiedade e stress, contribuindo-se para os fatores de risco psicossociais.
Uma produção mais flexível deve permitir que os colaboradores obtenham um equilíbrio realista entre vida profissional e pessoal, em que o desenho organizacional, os direitos dos trabalhadores e as oportunidades de formação recebem a devida consideração. Ao avançar em direção à criação de um valor industrial sustentável, a indústria 4.0 deve ter em consideração os “prós e contras” para a saúde e segurança dos trabalhadores. Para enfrentar os riscos emergentes e gerir o impacto ético da inovação industrial 4.0, será necessário introduzir medidas práticas, preventivas e de proteção focados no constante desenvolvimento profissional e formação em saúde e segurança ocupacional.
Fontes consultadas:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ind%C3%BAstria_4.0
Leso, V., Fontana L., Iavicoli, I. (2018) The occupational health and safety dimension of Industry 4.0. Med Lav, 109 (5), 327-338.
Bonekamp, L., Sure, M. (2015) Consequences of Industry 4.0 on Human Labour and Work Organisation. Journal of Business and Media Psychology, 6 (1), 33-40.
Badri, A., Boudreau-Trudel, B., Souissi, A. (2018) Occupational health and safety in the industry 4.0 era: A cause for major concern? Safety Science, 109, 403-411