Por David Cabanas – Engenheiro do Ambiente Câmara Municipal do Barreiro – david.cabanas@cm-barreiro.pt
Desde 2004, a Organização Mundial da Saúde tem desenvolvido uma abordagem relativa aos planos de segurança da água, com base na avaliação de risco e nos princípios de gestão de risco estabelecidos nas suas diretrizes para a qualidade da água potável. Tais diretrizes, juntamente com a norma EN 15975-2, relativa à segurança nos sistemas de abastecimento de água destinada a consumo humano, constituem princípios reconhecidos a nível internacional no que respeita à produção, distribuição, controlo e a análise dos parâmetros da água para consumo humano.
Tendo em vista o objetivo de controlar os riscos para a saúde humana, os programas de controlo da qualidade da água devem assegurar a existência de medidas ao longo de toda a cadeia de abastecimento de água e analisar as informações provenientes de massas de água utilizadas para a captação de água potável.
O Decreto-Lei n.º 152/2017, de 7 de dezembro, que estabelece o regime da qualidade da água para consumo humano, tendo por objetivo proteger a saúde humana dos efeitos nocivos resultantes da eventual contaminação dessa água e assegurar a disponibilização tendencialmente universal de água salubre, limpa e equilibrada na sua composição, menciona no seu artigo 8.º B que as entidades gestoras de sistemas públicos de abastecimento de água devem assegurar as medidas necessárias para a proteção da integridade dos sistemas no que diz respeito a comportamentos humanos destinados a prejudicar a qualidade da água. As entidades gestoras devem dedicar especial atenção a eventos relacionados com o terrorismo e o vandalismo e, inclusivamente, devem elaborar um plano de comunicação e resposta a situações de emergência. São, assim, inúmeros os desafios colocados às entidades gestoras que funcionam a diferentes velocidades, dimensões e modelos de gestão pelo país fora e que, em bom rigor, possuem reduzida especialização nesta problemática.
Torna-se fundamental mudar o paradigma do setor da água em Portugal e desde logo é importante a sua classificação como infraestrutura crítica.
A publicação do Decreto-Lei n.º 62/2011, de 9 de maio, veio transpor a Diretiva 2008/114/CE do Conselho, de 8 de dezembro, e estabelecer os procedimentos de identificação, designação e proteção das infraestruturas essenciais para a saúde, a segurança e o bem-estar económico-social da sociedade nos setores dos transportes e energia, contudo além de terem de ser considerados outros normativos tais como a Lei de Segurança Interna, a Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo, a Estratégia Nacional de Segurança no Ciberespaço, entre outros, revela-se uma legislação pouco abrangente pois não prevê setores como a água, a indústria, as comunicações e a banca.
Apesar do reduzido âmbito, esta legislação introduz duas dimensões importantes: (i) safety e (ii) security. Em simultâneo ou individualmente, qualquer uma destas dimensões é fulcral para obter, em matéria de infraestruturas críticas, quer uma identificação assertiva, quer medidas efetivas de proteção contra ameaças e riscos. Estes conceitos são agora aplicáveis ao setor da água, pelo que se impõe, na linha do que é a tendência europeia, que Portugal amplie o âmbito da referida legislação.
Enquanto isso não acontece e considerando a relevância que o terrorismo e o vandalismo vêm assumindo nas sociedades modernas, assim como a necessária proteção de dados dos utilizadores e a cada vez maior utilização de sistemas de automação e controlo dos sistemas de abastecimento de água impõe-se que as entidades gestoras desenvolvam as necessárias competências, planos e capacidades operacionais para que a resposta a um determinado evento possa ser rápida e eficaz, de modo a minimizar e/ou prevenir eventuais impactos junto dos utilizadores.
Há ainda um longo caminho de sensibilização das entidades gestoras para que adotem medidas que mitiguem os riscos inerentes e que olhem individualmente para as suas vulnerabilidades e ameaças. Diria que não é preciso procurar muito para encontrar inseguranças no setor da água.
É necessário potenciar sinergias com outros setores mais evoluídos nestas matérias e desenvolver cenários ou exercícios intersectoriais que permitam abordar os efeitos cascata de uma eventual disrupção e a respetiva capacidade de resposta dos vários intervenientes.
Pode cair-se no erro de pensar que estes assuntos só acontecem aos outros ou são matérias de equipas específicas dentro das entidades gestoras. Na realidade, trata-se de um tema transversal a toda a estrutura, devendo desde logo a gestão de topo proporcionar a definição de uma estratégia, no sentido de adotar uma cultura de segurança, sem esquecer a avaliação de risco, e sempre envolvendo os colaboradores, que são o pilar fundamental para o sucesso de todas as medidas de segurança.
Resumindo, é preciso assumir que água é obrigatoriamente uma infraestrutura crítica. Talvez até a mais crítica de todas. E é importante que as entidades gestoras de abastecimento de água, conscientes das suas vulnerabilidades, desenvolvam metodologias e procedimentos que promovam a segurança dos seus sistemas.